Guarda-chuva

Foi em meio à uma típica e clichê chuva da tarde, incômoda na minha hora de volta para casa que eu vi aquele velhinho, bem velhinho mesmo, sem lenço e sem guarda-chuva caminhando e cantando e seguindo seu caminho. “Uns com tanto, outros com tão pouco”, sempre digo e foi também o que pensei no momento. 

Só depois pensei em dar-lhe meu guarda-chuva, mas isso logo me escapou. Primeiro, porque tão longe de casa, com dois ônibus como destino, como poderia fazer? Depois, porque aquele era um conjunto residencial, e ele deveria (DEVERIA sim, é um velhinho, oras) estar a caminho de casa... chegaria, tomaria um banho quente, trocaria de roupa...melhor do que eu, com certeza, com minha kitnet de professora alugada no outro lado da outra cidade, onde malmente funciona o chuveiro. Mas isso faria ele precisar menos de um guarda-chuva? Idosos têm que tomar cuidado redobrado com a gripe, por isso tomam vacina contra ela, certo? Não, isso não faz ele precisar menos de um guarda-chuva... Mas da mesma forma que o pensamento me escapou duas vezes, o velhinho também me escapou, com seu passo lento, passou do outro lado da rua e creio que vi naquelas ruguinhas certa expressão de satisfação. Por isso, o pensamento de dar-lhe meu guarda-chuva me escapou ainda uma terceira vez.

Anoiteceu e continuou chovendo. Quantos velhinhos estarão tomando banho de chuva por aí? Isso de velhinhos andando debaixo de chuva já esta me dando nos nervos! 

Sinto que não vou dormir bem essa noite, meu guarda-chuva não deveria estar aqui.