Syngué Sabour - Pedra de Paciência, de Atiq Rahimi (Resenha)

Esse post inaugura uma nova fase, mais útil, dos meus devaneios (a)poéticos. Uma fase em que eu resolvi usar minha formação em Letras pra começar a exercitar também a crítica literária. Espero que apreciem.


Para começar com um grande símbolo, escolhi uma literatura estrangeira contemporânea por um único motivo: ela me fez implodir! Se essa resenha os fizer  interessarem-se e buscar também essa implosão, terei chegado ao meu objetivo.

"Conte a ela seus segredos até que a pedra estoure... até que você seja libertada de todos os tormentos."


     O preço da liberdade para um indivíduo oprimido pela sua própria cultura em seus gestos, seus desejos e até em seus pensamentos pode ser muito alto. Mas, embora essa seja uma conclusão possível, não é nisso que nos detemos ao deparamo-nos com a opressão em que se debate a escrita de Atiq Rahimi em direção a libertação da voz feminina de sua Syngué Sabour. A verdadeira voz, não mais limitada, simbólica, profunda porque não-nominada de uma mulher que se encontra, pela primeira vez, diante de si mesma e com o poder das próprias escolhas: ela cuida do marido, em coma com uma bala alojada na nuca, absolutamente só, no meio de  violentos conflitos religiosos cotidianos.

A sua libertação se dá pela fala, não pelo pensamento, porque este só aparece quando externalizado e aos poucos deixando de limitar-se pelos medos e tabus, inclusive impostos na própria língua – processo pelo qual Rahimi também diz ter passado: ao perceber que seu ouvinte, que noutro momento seria seu maior opressor, transformou-se na sua pedra-de-paciência particular.


     Nesse proceso, somos nós mesmos tranformados em syngué sabour. Dessa mulher só vemos os gestos dentro de um quarto limitado especialmente por uma cortina estampada de pássaros migratórios, ouvimos seus segredos nos intervalos dos tiros e na cadência da respiração do SEU homem, na qual ela aprendeu a contar o tempo e nós tentamos nos situar. Tudo isso porque o narrador, numa escrita cinematográfica, também está preso no quarto, não nos permitindo conhecer nada além do que se mostra/ouve naquele espaço físico. Nos exercita, assim, a paciência que estamos resignados a ser, até a explosão.


      O mundo árabe aparece em sua contemporaneidade cruel de violência, de vida sufocada por uma opressão cada vez mais consciente, porém,  também renasce em sua magia de Mil e uma Noites pelos ecos das histórias que a mulher conta ao marido,ouvidas das mulheres de sua família, raízes de sua busca pela dolorosa libertação. E, como na reflexão ouvida do sogro de uma dessas histórias, para que seja possível um final feliz alguém precisa ser sacrificado, resta-nos apenas escolher quem será.

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