Livrescos amores


Não sou de arrependimentos, sigo o lema dos teimosos irreversíveis: “me arrependo só do que não fiz”. Mas hoje acho que tenho um motivo para um arrependimento profundo: os livros que comprei em comunhão de bens.
Dos livros que dei de presente não, só dos que comprei assim junto, dividindo o valor e o tempo para ler e que, na hora da partilha, não puderam ser repartidos exatamente de maneira igual, do mesmo jeito que o bebê apresentado a Salomão, com a diferença de que não havia este para propor a divisão fatal de cada exemplar. Do jeito que estavam os ânimos, creio que nós dois aceitaríamos, e depois ficaríamos ainda mais arrependidos, claro.
Na partilha, tudo que me coube foi muito bem vindo e muito bem aproveitado, mas senti muita dó de tudo que ficou na outra metade e que eu não tive a oportunidade de ler. Um dia, com certeza, os lerei, mas serão outros livros e pertencerão a outras circunstâncias de vida, não terão mais aquele frescor da descoberta, não terão mais o mesmo significado, o mesmo entusiasmo. Serão apenas necessidade. Como esse livro que agora preciso e desejo, que um dia me prometeste de presente e nunca me deste, e que, como ainda não tenho, ainda me lembra de ti, mas tendo-o não lembrará mais. Menos mal. É assim, as coisas guardam consigo algo da vida, e tudo que ficou da partilha será sempre fruto daquele tempo, e tudo que se foi será logo outra coisa.
Agora só me relaciono com separação de bens, porque posso até chorar muito, mas pelo menos terei toda a história para lembrar, não a metade.

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