Carta dos vinte e poucos anos
Te
li dizendo que estavas com medo, que não sabias se estavas fazendo a coisa
certa, se o desejo de mudança não estaria sendo egoísmo da tua parte. Pensei em
te dizer, publicamente, coisas bonitas, esperançosas, coisas que te dessem
força, como fazem os bons amigos, ou pelo menos aqueles que te querem bem. Não
soube o que dizer.
Para quem crê é muito fácil falar “vai com Deus, ele te
guiará” e coisas do gênero, e pra ti, como também crês, deve ser reconfortante
ouvir isso. Mas não posso repetir uma frase assim, seria falso, porque eu não
creio, e tudo de que não precisas agora é de falsas promessas. Tampouco, e isso
é o pior, não posso te dizer outra coisa que te conforte o coração como queres,
porque eu conheço um pouco do que estás passando e conheço um pouco do que vem
depois disso. Com as diferenças à parte, claro, eu já tenho alguma experiência
em mudanças rumo ao incrivelmente novo e fantasticamente quase-desconhecido e
terrivelmente assustador, apesar de excitante. Mas não tenho nenhuma grande
sabedoria a compartilhar.
Só
posso te dizer que sigas com serenidade, de alma aberta, usando toda a força
que a vida te deu pra aguentar os perrengues que inevitavelmente virão. Vais
querer chorar mais de uma vez de saudade, e até de arrependimento pela decisão
tomada, e o melhor é que chores mesmo. Já temos idade suficiente pra saber que
há dores que é melhor não guardar. Pode ser que doa muito algumas vezes, por
causa da cultura um tanto diferente, por causa da convivência com novas pessoas,
ou pela falta de convivência com elas, mas, principalmente, pela falta das
velhas pessoas, por causa do trabalho, ou da falta dele. Provavelmente, vais
amar as diferenças no início e depois vais passar a ver defeito em tudo. Mas tu
sabes que isso são só impressões que a tua própria alma vai colocando nas
coisas, que a gente só consegue julgar bem com uma certa distância. E essa
distância, é claro, vai demorar um pouco pra acontecer.
Perguntas
se vai dar certo, e tu mesma já sabes a resposta: “Quem sabe?”. Não tem
fórmula, e sempre vai ser assim. Pra mim, da distância em que agora me
encontro, vejo que sair de casa deu certo em tudo, até no que deu errado em
algum ponto. E é isso que desejo que aconteça contigo, mas só vais saber
saindo, tentando aquilo que, de alguma forma, sei que sempre tiveste medo de
tentar. É preciso fazer teu próprio caminho – por mais clichê que isso seja,
parece a palavra mais sábia pra ocasião. E é por isso que não posso
compartilhar mais nada, porque cada um faz pra si aquilo que deseja, do modo
como acredita, com seus próprios defeitos e qualidades. E por mais amigas que
sejamos, estamos longe de sermos muito parecidas nisso tudo.
Pro
bem ou pro mal, segue. É melhor tentar o novo do que permanecer na vida que já
conheces e não está tão boa, mesmo com tanto remendo já feito.
Da
tua amiga-irmã pra todo o sempre.
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