Não é uma justificativa
Não sei o que mudou no meu olhar.
Crônica é filha de cidade. Na cidade a gente tem muita coisa pra ver ouvir
sentir ao mesmo tempo. Sem conseguir ver ouvir sentir tudo, a crônica é um
jeito de tentar organizar tudo isso. Parar um pouco. Andar sem rumo olhando
vitrines – e tentar não pensar no medo de ser assaltado. De repente parar num
banco de praça e observar qualquer coisa – já faz tanto tempo que nem consigo
pensar no quê agora.
Desde que vim pro interior não tenho
escrito crônica como antigamente. O que é engraçado, porque aqui eu tenho mais
tempo pra olhar pra mim e pra fora. Às vezes dá vontade de escrever, mas penso
que vai ficar uma coisa meio piegas e desisto. Crônica não pode ser piegas. Penso
nos meus gatos, em como seria bom escrever sobre a felicidade que é morarmos
aqui todos juntos – exceto pelos xixis do macho com ansiedade territorial.
A gata que adotei da rua pariu esses
dias, debaixo de uma forte chuva, de onde tive que ir pegá-la à força, e passou
10 horas em trabalho de parto. Não sei se isso daria uma boa crônica. Vão
pensar que não tenho mais nada para fazer, e o pior é que tenho, muita. Inclusive
cuidar da gata e dos gatinhos.
Não é que em cidade do interior não
aconteça nada. Tem uns personagens interessantes: o vendedor de sucos do
centro, aquela senhora que anda sem rumo, o bêbado que vive pedindo dinheiro na
padaria, uns hippies que vêm turistar pras bandas das cavernas e param aqui.
Tem muita coisa. Mas não é aquela agitação da cidade grande – onde passei mais
de 20 anos dessa vida de menos de 30 ainda. Aqui precisa de uma outra
disposição de olhar. Que eu ainda não aprendi.
Por que não escrevo sobre tudo isso? Não
quero me justificar, não tem justificativa. Acontece que não sou daqui, e na
verdade mal vivo essa pequena cidade de pouco mais de 35 mil habitantes –
muitos deles na zona rural. Não, não quero me justificar.
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