Passarinhos noturnos


Certo dia, ou melhor, certa noite recebi uma mensagem de uma amiga reclamando que os passarinhos do vizinho não paravam de cantar. Eram 3 horas da madrugada. É verdade que não acordei para ler a mensagem, tenho o sono muito pesado, não é um bipe de celular que me levanta, portanto, vi a mensagem dela pela manhã e logo tratei de pedir esclarecimentos sobre essa história de passarinhos cantando de madrugada – não, não reclamei pelo horário da mensagem, ela sempre faz isso, são permissões da modernidade telefônica com seus planos infinitos, que mal funcionam pela manhã, mas de madrugada são maravilhosos, consolo para os solitários e para os reclamadores de plantão. Ela me explicou que se tratavam de passarinhos engaiolados, então me lembrei de que, quando era criança, meu avô tinha muitos passarinhos engaiolados e que a partir de determinada hora da noite cobria as gaiolas com uns panos escuros e ficava proibido acender a luz do pátio, para que eles não pensassem que era dia e cantassem fora de hora. Creio que o que aconteceu com os passarinhos que “perturbaram” o sono da minha amiga foi isso, foram enganados. Fiquei pensando também se isso não seria muita rabugice da parte dela, afinal, para mim, passarinho cantando é sempre coisa boa de ouvir, e de fato ouço sempre, até mesmo as maritacas engasgadas. Me sinto como se estivesse distante da cidade e desse tempo, como se não tivesse que acordar cedo – e tenho que dizer que muitas vezes isso me atrapalha, perco a hora... -  como na infância, na casa de quintal grande no subúrbio, ou até mesmo na casa do meu avô, com seus passarinhos engaiolados de que sempre tive pena. Mas, na verdade, o que incomoda a minha amiga não é o canto dos passarinhos, mas a melancolia que ela sente ao ouvi-los, não sei bem porque, mas acho que entendo, também sinto.
Hoje, na casa do meu avô, que foi vendida, não seria mais possível ter passarinhos cantantes, estariam muito estressados para isso, pois agora só quem canta mesmo são as buzinas dos carros e os vendedores das lojas com seus autofalantes, apesar de que quando era criança também já os ouvíamos bastante, já era uma área movimentadíssima, mas acho que hoje está muito pior, como sempre fica à medida que as estruturas do lugar vão melhorando. E pensando nisso, fico aqui ouvindo os passarinhos que ainda vivem no meu setor suburbano, nessa outra cidade tão distante, e imaginando que um dia também eles serão substituídos por esses outros desafinados cantores. E aí entendo porque preguei adesivos de passarinhos em flores de cerejeira na minha janela, acho que essa melancolia nostálgica nunca sairá de mim. E começo a pensar que quando me mudar daqui não os levarei comigo, melhor deixá-los onde estão, pode ser que até lá esse tempo já tenha chegado e só restarão esses, felizes a todas as horas, apesar de mudos, que nunca perturbam o sono de ninguém.
Imagem obtida no blog viverepensar.wordpress.com

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