Descaindo a linha
"Meninos soltando pipa", de Carybé |
É claro que hoje já existem até mesmo os aviões supersônicos,
mas nós, reles bípedes, ainda não conquistamos de fato os céus, quem os
conquistou foram as máquinas. Nós apenas achamos que somos coisa muito
importante controlando-as e acabamos, muitas vezes, perdendo o controle. Estão
aí os acidentes que não nos deixam mentir. No entanto, a pipa, que nós apenas
guiamos por um fio, essa sim conquista os céus, deixando-se plainar ao sabor do
vento. E muitas vezes, mesmo depois de crescidos, nos perdemos a olhar as múltiplas
cores que pintam o azul nessa época do ano, quem sabe desejando nós estarmos na
outra ponta da linha.
Quando era criança, metida às brincadeiras de menino, soltar
pipa era uma das minhas atividades mais esperadas no ano. Meu irmão só não
gostava porque nunca fui muito boa de cálculo, descaia tanto a linha, talvez
tão empolgada com a altura que ganhava, que nem via o fio acabar, perdendo,
obviamente, a pipa do meu irmão (pois é, eu mesma nunca tinha uma). Uma das
recordações mais interessantes dessa época é a de ouvir os “óvái” que serviam
como tiro de largada para a galera correr atrás de uma pipa derrotada no
entrelaçamento de fios. Eu corria, mas sem nenhuma esperança de chegar antes da
marmanjada. Uma vez, um amigo meu correu com toda a velocidade que ele nem
sabia que tinha, entrou pelo quintal do vizinho e saiu de lá quase que
quebrando todos os recordes (ao menos o próprio): a pipa tinha caído em cima da
casinha do cachorro, um simpático rottweiler, que, creio, não apreciava muito
nossa brincadeira de verão. Não se preocupem, o Abrão saiu ileso, mas depois
disso nunca mais se animou tanto com um “óvái”.
Hoje, andando nem tão de bobeira por essa cidade que
ainda me é um tanto estranha, vejo os meninos soltando pipas, exatamente como fizemos,
a minha geração e tantas outras anteriores. Não sei se gritam “óvái”, se “descaem”
a linha, apenas passo e vejo como que um quadro, em que moleques descalços e só
de bermuda, olham para o céu e movimentam os braços com tanta agilidade. Talvez
com o mesmo encantamento que vem nem se sabe de onde, mas o mesmo que levou
Ícaro aos céus e à morte, o chinês à sua invenção que virou brinquedo, Santos
Dumont à máquina voadora. Nenhuma, ainda, perfeita no seu objetivo maior, que é
nos fazer alçar voo próprio.
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