Depois da curva da estrada

Desse caminho vejo tudo ao longe como se já não me atingisse. Como se já não existisse. Raízes flutuantes. Não há vento, nem do horizonte nem da tua boca, vento quente no calor da tarde. Não há floresta. Há terra vermelha, pequenos montes que não se misturam ao azul do céu. Três dimensões sem emoção, sem o sentimento que tudo transgredia.
Dessa estrada ouço barulho de motor, de não sei quantos cavalos que não morrem, que só andam sem saber se vão ou se voltam. Mas quem vai sou eu, ao encontro do mundo novo, quem sabe para a morte... (esse barulho é morte!). Vida é uma música que só toca na minha mente, a mesma da primeira tarde de sono. Mas hoje não há sons aqui dentro. Há cavalos de motor.
Dessa poltrona não sinto o cheiro de terra da viagem. Um perfume doce sobe no ar... mas não sou eu quem o passou. Hoje eu não tenho odor, nem de banho nem de suor nem o que poderia de ti ser o mesmo.  De tapete, de tecido que não fede, não me incomoda nem me agrada. Tanto faz.

Essa estrada é fuga. Estou feliz por fugir. De casa, de uma vida anterior que já não me causa tanta náusea, mas de que também me fogem as lembranças felizes. Como deve ser. A memória deve fugir para que um dia possa ressurgir de surpresa, e me faça ter saudade, me faça querer pegar a estrada de volta e sentir o gosto que hoje nem sei o que é, mas que até lá lembrarei. A boca tem sede, mas ainda confunde pastoso e líquido. E o sabor acentuado da minha partida é o desejo do retorno.

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