Sobre pessoas que merecem uma crônica. E pessoas que não merecem nada.
Há
pessoas que merecem uma crônica. Mereceriam, na verdade, um romance, mas como
não sei escrever romance, escrevo crônica mesmo que, afinal, condensa em
algumas linhas a verdade dessas pessoas.
Já
disse outras vezes que sou uma pessoa que vive de encantamentos. Nem sempre
esses encantamentos são amorosos, na verdade, na maioria das vezes não são.
Alguns encantamentos são duradouros e se tornam amantes, mas aí é delicado,
porque corre o risco de, nos menores problemas, desencantar. Outros, também
duradouros, os mais duradouros de todos, se tornam amigos – e esse, se desencantar,
pra mim é o verdadeiro inferno. Mas talvez o encantamento maior de todos seja
aquele de pessoas que passam por nossas vidas de forma meteórica, quase sempre
avassaladora, em circunstâncias especiais. São os mais duradouros porque o
encanto não é quebrado nunca, já que o tempo-espaço nos afasta e não mantemos
mais tanto (às vezes nenhum) contato. A gente fica sempre com a lembrança
daquele encantamento, que se auto-alimenta eternamente.
O negócio
é que, geralmente, a lembrança dessas pessoas maravilhosas vem em meio a alguma
coisa ruim. É um contraponto: no meio da podridão, a gente lembra que existem
pessoas que se opõem. Não que elas sejam as únicas, claro – ou, pelo menos, a
gente espera que não sejam as únicas – mas porque o momento de encantamento com
elas foi tão forte e tão marcante que se torna referência.
Como
naquela noite no interior de São Paulo, em que bebíamos e conversávamos, nos
conhecíamos, na verdade, e, de repente, um grupo de universitários – embriagados,
talvez mais do que nós – começou a cantar o “hino” da universidade. Não me
lembro bem da letra, mas me lembro de que eram coisas misóginas, desse tipo que
só em ouvir já me sinto agredida. Do que me lembro mesmo é do meu novo amigo
falando “Nossa, cara, que coisa horrível. Me desculpe por você ter que ouvir
isso”. Acho que por tudo que já tínhamos conversado antes isso ficou na minha cabeça.
Por que ele tinha que pedir desculpas se ele não tinha nada a ver com aquilo?
Foi bonito, sensível. Ele se sentia agredido tanto quanto eu, e acho que isso
fez com que eu sentisse ele mais próximo de mim, um companheiro, mesmo sabendo
que depois daquele dia talvez nunca mais nos víssemos. Depois disso, houve mais bebida, mais risadas,
mais indignações compartilhadas. Não houve beijos, ninguém foi pra cama, não
estávamos à procura disso.
Hoje,
quando leio sobre universitários cantando “não é estupro, é sexo surpresa”,
lembro do meu amigo me pedindo desculpas. Não, ele não é como aqueles. Ele me
disse isso e me mostrou isso. Eu lembro dele apenas na lembrança daquele
encantamento e na esperança de que hajam muitos, mas muitos mais Marcos no
mundo.
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