"Com tanta gente na estrada..."

Às vezes parece que o cronista é como um mosquito girando em torno da lâmpada, voltando sempre ao mesmo assunto. De vez em quando pode parecer que se afasta, mas foi só porque ficou meio tonto com tanta luz e se desviou 180° da sua rota normal. Quando passa a vertigem, ele não resiste e gira mais 180°, voltando à sua obsessão primeira. Assim eu também sou, apesar de cronista amadora. Vez ou outra “flano” por assuntos diversos, mas acabo sempre voltando à minha obsessão poética pelas pessoas.

Assim como meus pensamentos, sou um ser repetitivo com poesias e canções. “Com tanta gente na estrada, é bem pequeno o coração”, é um verso de música que se tornou quase como um mantra em uma fase da minha vida. Um mantra melancólico, de quem rumina sobre o que perdeu. O tempo passou, a perda virou ganho em todas as alegrias que tive na vida, mas o verso continuava pulsando diferente sempre que ouvia essa música. Ficou um tempo sem relação conceitual, por assim dizer, mas hoje, quando a ouvi de novo, feliz cortando cebola para o almoço, percebi que o verso sintetiza o oposto de antes para mim. Não é sobre perda, sobre estar fadado a amar, romanticamente, um ser para toda a vida. É sobre escolha.

A árvore da vida, de Gustav Klimt
Talvez eu seja do tipo que ama demais, um ser a cada esquina, mas de modos diferentes e querendo escolher apenas um, eis o que significa agora o meu novo-velho mantra. Mas, afinal, quem nunca amou de quase morrer um outro? Aquele ator, aquela cantora, o poeta? Pessoas desconhecidas, mas com quem sentimos uma estranha conexão. Isso também é amar. De um modo mais fácil, mas não menos verdadeiro.

Costumo dizer que o amor da minha vida é Rubem Braga, que morreu, aos 77 anos, no Rio de Janeiro, quando eu tinha apenas um ano de vida, em Belém do Pará. O que nos separou foi a armadilha do tempo-espaço, mas sempre que leio suas crônicas sinto que ele é uma espécie de alma gêmea minha, e que teríamos sido felizes juntos. Sinto do mesmo jeito quando ouço as canções de Hélio Flanders (o cara que escreveu o verso que agora me serve de inspiração), que hoje se separa de mim pela sempre ardilosa geografia. Mas também sinto esse encaixe perfeito quando rio com o Jefferson Rêgo, ou leio suas poesias e crônicas. A diferença é que nos encontramos num ponto da vida chamado Goiás – porque a BR-316, que liga Belém a Maceió, perdeu a chance de fazê-lo antes – e que, por isso, pudemos nos escolher um ao outro, enquanto der certo, e estamos felizes.


Meu pequeno coração continua andando pela estrada, sem procurar mais ninguém, porque por agora sou feliz com o que tenho. Mas também continua se encantando-amando todos aqueles com quem divido um sentimento profundo pela observação da vida e das pessoas, que é minha obsessão, sentindo que são pequenas almas gêmeas perdidas-encontradas-sumidas de mim mesma, só talvez não haja espaço para tanto. É em torno dessa luz que eu giro.

Comentários

Postagens mais visitadas