Assédios

Anda de cabeça baixa, como se se escondesse dos outros. Como se isso por si só a fizesse se esconder dos outros. Não tem mais de 12 anos, apesar dos seios visíveis, dos quadris enlarguecidos. Usa uniforme de colégio, um fichário debaixo do braço. De tardezinha, está voltando, com ar visivelmente cansado. Vai passar pelo meio do grupo que joga futebol no meio da rua. O mais velho, deve ter uns 19 anos, virou-se para ela e falou alguma coisa. Conheço essa expressão. Ela não responde e anda mais rápido.

13 anos. A cabeça ainda é baixa. Usa bastante lápis preto nos olhos, o fichário continua debaixo do braço. Descemos do ônibus e tinha uma viatura da polícia parada na esquina em que atravessamos. “Boa tarde, mocinha!”. Não responde, fecha a cara e prossegue, com medo de ser atropelada. O policial que cumprimentou segue a sua bunda com o olhar.

É de manhã, 7h, quase ninguém passa no bairro periférico, apesar de aqui ser a avenida principal. O fichário foi trocado por uma mochila, bastante grande, aliás. Não vejo seu rosto, mas como a calça alargou, imagino que os olhos continuam pretos. A cabeça baixa lhe dá um ar de sono, medo e desajuste. Vem um homem numa bicicleta, por trás, disputam a mesma estreitíssima faixa que deveria ser um acostamento. Ela quase foi jogada da pista, o homem meteu a mão na sua bunda com tanta força. Tenho certeza que sei o que ela sente e como treme e quer chorar.


15, 16, 17... perdi a conta das cenas absurdas, mas sei que com o passar do tempo diminuiram, menos pelo levantamento da cabeça do que pelo “avanço da idade”. Não dá pra acreditar que o azar fosse tão grande que ela cruzasse com tantos pedófilos na vida. Só quem não é mulher pra acreditar nisso.

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