Caderno policial
Faz
tempo que não folheio mais jornais impressos, nem lembro quando foi a última
vez. Aderi definitivamente à informação virtual, seleciono várias mídias para
saber das coisas, das tradicionais às independentes, e acho que estou muito
melhor assim. E uma das coisas que mais me faz sentir isso é não ter que dar de
cara com o caderno policial.
Todo
mundo tem histórias de violência conhecidas de perto, alguns bem perto, outros
um pouco menos. Um vizinho, um conhecido, um parente, um colega. A gente vive
num país violento, muitos em estados mais violentos, em cidades ainda mais
violentas. Chegamos ao ponto de não questionar mais o porquê dessa violência,
achar que tudo isso é normal. Tão normal que não escandaliza ninguém ver o
jornal do dia com um morto na pior condição na capa. Mais: chegaram ao ponto de
vender o caderno policial separado, porque muita gente só comprava o jornal por
causa dele, pra ver os corpos do dia... E é uma coisa tão horrenda que não
explica nem questiona nada, sequer informa direito sobre as coisas, de tão
mínimo que é o texto e tão grandes que são as imagens, bem cheias de sangue. O
povo até brinca, “se espremer sai sangue”.
Mas
eu acho que sai sangue mesmo, porque é preciso muita falta de empatia pra fazer
dessa sociedade violenta matéria de comércio, produto vendável, e isso nos
violenta ainda mais, é o nosso sangue que está ali. Sangue dos “desvalidos da
fortuna”, que são matéria principal desses cadernos. Ou alguém já viu ali foto de
corpo de empresário rico? Se eles começam a aparecer lá, a morte deles vai ser
amortecida rapidamente, com a edição do dia seguinte, e não é isso que ninguém
quer, né? Afinal, pobre morre aos montes e ninguém liga, mas se morre um rico fica
todo mundo de luto. É assim: pobre só sai no jornal quando comete crime ou é
morto (de preferência, um seguido do outro), já diz o ditado. E tanto é verdade
que, quando um dos nossos morre em uma situação violenta, uma das nossas
primeiras preocupações é como vai sair no jornal: Vão mostrar o corpo
putrefato? Vão pintar ele de bandido? Vai ter mais sangue ou mais solidariedade
à família? Será que alguém vai questionar o porquê disso tudo?
Eu
sei como é, minha família já passou por isso. Mas demos sorte, a única foto que
saiu do meu tio foi uma três por quatro, bem bonita, em tons pastel. A
lembrança que todos queremos guardar.
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