Pra quê sonhar?
De vez em quando me vem à lembrança a história daquela
aluna de 12 anos da escola estadual, displicente, distraída, sem saber o que estava
fazendo naquela sala (que nem era uma sala, na verdade, mas um galpão quente e
sem segurança nenhuma), enquanto mexia nos cabelos lisos compridos.
No meu início de profissão, era comum tirar um
tempinho de quase todas as aulas pra dar “lição de moral” nos alunos que não
queriam estudar, perguntava o que eles queriam ser quando crescessem e esperava
fechar com o indefectível “então tem que estudar” (sim, me julguem). Mas a
resposta que aquela aluna me deu naquele dia não tinha como ser encerrada com a
minha chave de ouro. “Caixa do Líder” (Líder é uma grande rede de supermercados
de Belém, só pra informar). Imaginem a cara que eu devo ter feito. Eu também só
imagino, já que não vi, mas deve ter sido bem estranha. Claro que eu repliquei,
“por quê?”, “porque não precisa fazer mais nada além de ficar sentada trocando
dinheiro”, “meu bem, não é bem assim. Você sabe quanto ganha uma caixa de
supermercado?”, “sei sim, minha mãe é caixa”. Agora você deve estar esperando
uma bela lição educacional, de como eu mostrei a ela a importância de sonhar ou
como provei a ela que o melhor caminho era o estudo, que ser caixa de
supermercado era ser mais uma trabalhadora explorada. Mas eu parei por ali mesmo. Minha vontade era
de chorar e ir embora, vi no rosto da turma que as expectativas deles não eram
muito diferentes disso. Voltei à minha aula de literatura, como se os contos
pudessem falar por si mesmos, só que eu sabia que não é assim que funciona.
Sinto decepcioná-los, mas nunca mais toquei no assunto,
com a turma ou com ela. Não sei o que aconteceu com essa aluna. Saí da escola,
saí de Belém. Hoje ela deve estar com 18 anos, terminando o Ensino Médio ou já
trabalhando no Líder? Queria mesmo poder dar essa informação. Queria mesmo
poder ter um final melhor pra minha história, dizer que a ajudei a refletir
sobre a sua condição, que marquei a vida dela, mas não. A vida desconcerta a
gente por diversas vezes, e esses desconcertos marcam a nossa vida, às vezes
mais do que gostaríamos. E eu só lembro de olhar pra ela e pensar “tão bonita,
podia ser modelo”. Nunca consegui me contentar com essa incapacidade de sonhar quando
se tem apenas 12 anos.
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