"O urbanista é o arquiteto do mendigo"

Há muito tempo que vinha postando meus textos apenas nas redes sociais. Agora resolvi voltar pra essa plataforma porque pensei que, de repente, alguém pesquisando um assunto pode achar meus textos. O que me fez pensar nisso foi escrever sobre Brasília, onde não moro, mas por onde ando com frequência.

"O urbanista é o arquiteto do mendigo"


          Numa das entradas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília há uma pequena pichação: “O urbanista é o arquiteto do mendigo”. É tão pequena quanto outras e menor que muitas – inclusive mais diretas e agressivas e que podemos ler ao passar de ônibus – mas dentre todas as que existem espalhadas naquelas paredes, é ela que me ronda a cabeça com mais frequência. Como uma não estudante da FAU, mas ribeirinha urbana, cronista por paixão e pesquisadora de cidades, aquela frase me perturba.
           Acontece que ela é pequena, está isolada das outras, e de primeira pode parecer apenas uma “brincadeira” de arquitetos contra urbanistas, como linguistas e literatos que, dividindo o mesmo curso-mãe, vivem de se zoar mutuamente. Não é.
             Tudo a faz parecer tão “menor”, mas é de um perigo tão grande. Ela mostra o ódio de classe, o ódio pela cidade, pela vida coletiva, essa que, no entanto, nos constitui como seres humanos. É mais que uma frase preconceituosa, porque usa a população de rua como motivo de humor para diminuir o trabalho do urbanista. É mais que uma frase alienante, porque cega diante do fato incontestável de que todos que vivemos na cidade dependemos dos serviços do urbanismo – e é inclusive pela falta dele que penamos tanto. É uma frase sintetizadora de tudo que somos como sociedade: urbana, mas com ódio da vida coletiva, que despreza o outro, que só valoriza aquilo que tem grande potencial monetário, que acredita que existe meritocracia até para morar. Na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, cidade criada sob os preceitos urbanistas modernistas de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que viam no planejamento urbano uma forma de criar uma nova sociedade, uma frase de ódio à vida urbana segue pichada recebendo todos os anos os arquitetos e urbanistas do futuro.
             Mas então, um dia, depois de tantos anos, falei sobre a frase a um amigo formado na FAU. Ele disse: “nunca vi, mas adorei!”. Meu amigo defendeu no seu trabalho de conclusão de curso um lindo projeto de escola ribeirinha, que era também um projeto de urbanismo para o vilarejo onde fica a escola. Meu amigo valoriza o verdadeiro urbanismo, e se sente orgulhoso de ser “o arquiteto do mendigo”. Que lindo o sentimento do meu amigo, pensei, e comecei a admirar os significados potenciais daquela frase. Pensando, de repente, com otimismo, que seria muito bom que ela estivesse estampada em outdoores nas entradas do Distrito Federal. Quem sabe comovesse algum outro arquiteto e urbanista, já que há tanta população de rua no quadradinho onde um urbanista sonhou, brevemente, um dia, pudesse se fundar um Brasil sem classes.

Comentários

Postagens mais visitadas