Cartas no século XXI
Receber
cartas no século XXI para muita gente só pode significar uma coisa: credores!
Contas de água, luz, telefone, cartão de crédito, internet... aff! Isso se você
já não tiver aderido ao espírito prático e ecologicamente correto dos novos
tempos e aboliu toda essa papelada – inútil, com certeza, gasto de árvore, para
ser lido com raiva e jogado fora no máximo depois de um ano. Papel não é mais
entendido como coisa de que dê para se livrar assim tão sem culpa para ser
desperdiçado desse jeito. Para fazer o papel valer o sacrifício, só sendo um envelopinho
com letra rabiscada à mão, com destinatário e remetente com nome de gente mesmo
(sem s/a, ltda, dna...) e às vezes umas listras verdes e amarelas nas bordas, o
que torna o envelopinho mais charmoso além de mais nacionalista.
Mas,
afinal, quem ainda recebe esse tipo de papel que não é desperdiçado via
Correios? Ô coisinha mais antiga, antiquada, quadrada, out! Eu! Ora essa, é proibido por acaso? E também não mando e-mail,
uso chat e todo o diabo a quatro da
tecnologia comunicacional? Mas nada é tão emocionante – nem ver o ficante on no chat, acredite - quanto receber uma cartinha escrita assim à mão,
borradinha de tinta e que com o tempo vai criar um cheirinho de mofo e
provavelmente as traças comerão aos poucos. Paciência, faz parte do processo.
Mas nada vai esmorecer a lembrança da emoção que essa carta causou. Nem dessa
carta lida e nem das escritas com sentimento verdadeiro, sobre um momento
importante. Concordo que tudo isso parece devaneio nostálgico, dos tempos em
que as relações eram mais próximas, etc e tal, mas acho que não é. Primeiro,
porque essa nostalgia é só parte da péssima certeza que o ser humano tem de que
tudo do seu tempo era melhor – e é ruim até para aqueles que foram mesmo.
Depois, não é nostalgia porque meu tempo é agora, oras, por acaso já morri? E,
por último, porque um grande amigo - desses que nunca conheceram a gente mas
que a gente guarda dentro do peito porque eles nos disseram tudo que
precisávamos saber, e disseram antes mesmo da gente nascer - aconselhando-me,
certo dia, a não amar à distância, disse que as cartas não falam do que a
pessoa está sentindo agora, mas do que sentiu na semana passada, revelando o
quanto as pessoas estão distantes, além de iludi-las. Ora, amigo Rubem, logo se
vê que não consegui seguir seu conselho, visto meu péssimo hábito das
paixonites à distância, e ainda do tipo mais cruel, daquele que você sabe que
nunca mais vai ver, e mantenho, isso é o mais grave, o hábito das cartas, desse
sentimento da semana passada. Pior, pareço esquecer também que se hoje beija,
amanhã não beijará mais e ninguém sabe o que restará na triste
segunda–feira... Mas tenho meus motivos para não seguir à risca o conselho do
meu amigo, afinal, se naquela época era um grande problema a carta só chegar
tantos dias depois e a notícia, o convite e o sentimento ficarem assim um tanto
out, hoje, nessa vida de rapidez (e o
que hoje é rapidez amanhã já é lentidão) e onde só interessa o que a gente
sente agora, receber uma cartinha com o beijo de ontem ou da segunda-feira
retrasada dá um alívio justamente por saber que alguém pensou na gente há
alguns dias e resolveu deixar isso registrado... dá também um gostinho de que
nem tudo foi em vão, de que há passado e por isso vale o presente. Não é
nostalgia, é só um jeito mais down de
não ficar out da vida. E se é uma tortura
um amor à distância, ainda acho pior o amor que só se faz de uma luzinha verde
no chat, à mercê de toda essa falta
de tempo e dos desencontros - e que a gente às vezes ainda desconfia ser meio
de propósito.
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