Do estranho olhar
Não
sei quando começou. Num dia normal, estava comendo quando ele chegou e ficou me
observando do outro lado da tela. Pensei logo que queria minha comida e já fui mandando o verbo, claro. Estranhamente, ele não respondeu. Continuou me
olhando e eu achei a cara dele estranha. Continuou sentado, só olhando pra mim.
Eu não sou de amizades, ainda mais depois que me isolaram aqui, por causa desse
problema de não conseguir controlar o xixi. Aí achei estranho mesmo todo aquele
interesse. Mas, apesar de ser muito braba, quando vejo que não tem como me
incomodar (a tela me protegia), fico de boa na lagoa. Continuei comendo e
depois fui dormir, como sempre, claro que não antes de fazer minha toilette
costumeira – nessa hora confesso que me senti um pouco incomodada, mas nunca
fui de pudores mesmo, então continuei, “slep”. Quando acordei, ele não estava
mais lá, mas ouvi o Artur dizer que tinha visto ele, que era engraçado ele
ficar me olhando daquele jeito. Ele também pensou que ele queria a minha
comida, mas também estranhou ele não fazer nada pra pegar...
Não
sei se era o mesmo “horário”, eu não ligo pra isso, mas a luz do sol estava
mais ou menos no mesmo cantinho da minha cama. Parecia que estava se
repetindo... "Nhaaaaaaaaaa!" Lá estava ele de novo, com os grandes olhos verdes
me observando. Qual era a dele? Eu tentei sair para tirar satisfações, como nos
velhos tempos, mas a porta estava trancada com um tijolo, “o Artur deve ter reforçado
a porta com medo de ele querer entrar”, pensei. Fiquei encarando aqueles olhos
verdes com os meus enfeitiçantes olhos amarelos. Foi quando ouvi a voz do Artur
e, mais estranho, a da vovó. Olhei por cima da cabeça do estranho e vi os dois
olhando pra gente e comentando: “Tá vendo só! Quem diria! Ela arranjou um
admirador!”. “O queeeeee? Pronto, isso foi demais pra mim! Quem eles pensam que
eu sou?!”
Mas,
nessa hora, quando olhei de novo pra cara do estranho, os olhos dele estavam
enormes e cheios de água. Ok, conheço esse truque, sempre fiz isso. Mas por
isso mesmo conheço quando é de verdade ou não. E não é que o esquisito parecia
mesmo apaixonado pela minha bela gatesa? Não sei se foram os meus olhos
amarelos ou o meu rabinho charmosamente incontrolável, mas o fato é que o
esquisito gostou de mim... “Ronronron”. Fiz um charminho, dei uma voltinha e
sentei de novo na frente dele, agora fazendo de tudo pra parecer uma boa
menina. Tudo bem, não tinha como enganar muito, eu já tinha feito todo aquele
alvoroço e meus pelos brancos não escondem a minha idade de aventuras... Foi quando ele finalmente me disse: “Ei,
pretinha, não se preocupe, eu gosto de você assim mesmo, na sua brabeza e com
toda a sua experiência de vida. Conheço sua fama e foi por isso que eu vim
aqui. Não me importo em só poder te ver do lado de fora da sua casinha lilás,
aqui é até bem confortável. Eu só quero poder compartilhar um pouquinho da sua
vida, se você deixar”. "Nhonho..." me derreti toda! Como se diz não a um miado
terno desse? Além do mais, eu estava mesmo muito sozinha.
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