Livraria

A primeira vez que me lembro de ter entrado em uma grande livraria, foi em 1998, com 8 ou 9 anos de idade. Estava com minha mãe e minha tia mais nova, passeávamos pela cidade comprando, como era comum. Nesse dia, passamos também pela Praça Batista Campos, tomamos uma água de coco e, de repente, não sei de quem foi a ideia, fomos à livraria. Lembro-me de que atravessamos a praça e entramos numa rua onde eu nunca tinha ido, depois subimos poucos (dois?) degraus. Como eu disse, nunca tinha entrado em uma livraria antes. Em casa, tinha muitos livros a meu alcance: didáticos da minha mãe, paradidáticos, literatura infantil e gibis, além da estante dos meus pais, mas esses eu só gostava mesmo de olhar. Não tínhamos o costume de frequentar livrarias, pois minha mãe sempre me trazia tudo à mão. Por isso, esse dia ficou guardado na minha memória.
Eu nem sabia por onde começar. Lembro-me de que tinha medo de pegar nos livros e alguém vir brigar comigo. Até que percebi que folhear era mesmo a tarefa, andar pelas prateleiras à procura, como minha mãe e minha tia faziam. Alguém finalmente percebeu a garotinha perdida e me levou pra Livrariazinha.  De todos os livros que folheei, um não me saiu das mãos: O sofá estampado, de Lygia Bojunga Nunes. A capa estampada, o nome engraçado da autora, a história de uma gata angorá que namorava um tatu-bola, tudo me encantou. Mostrei à minha mãe, e esse foi um dos livros que levamos, o único meu, porque eu não quis mais nenhum, apesar da minha mãe dizer que estava barato. Naquela época, eu era muito mais sentimental e muito pouco materialista, pensei que apenas aquele era o suficiente para me satisfazer a imaginação por meses. Não estava errada. Mas também não levei mais nenhum porque pensei que a qualquer momento poderíamos voltar ali e eu acharia outro livro pra me encantar, como aquele. A verdade é que só voltei àquela livraria 10 anos depois. Frequentei outras livrarias, mas aquela realmente era muito longe para nós, e não ficava dentro de shopping, o que também dificultava as coisas. Além do mais, eu não sabia em que rua ela ficava, nem seu nome.
Quando retornei lá, em 2008, já estudante de Letras, foi por puro acaso. Alguns colegas disseram que uma grande livraria da cidade estava com uma promoção imperdível. Numa tarde, depois das aulas, fui bater lá com um amigo que disse que sabia muito bem onde era. Quando descemos na Praça Batista Campos, debaixo de chuva, foi como se eu voltasse no tempo (desculpem o clichê, mas o que seria mais verdadeiro?). Dentro da livraria, porém, muita coisa estava diferente, havia umas mesas com livros bagunçados e algum cheiro de mofo. Mesmo assim, meu entusiasmo não foi menor ao constatar que eu estava de novo na primeira livraria onde entrei na vida. Nesse dia, aos 18 anos, levei alguns livros de teoria literária, linguística e um de Rubem Braga, meu escritor favorito desde pouco depois da época em que estive ali pela primeira vez. Tudo realmente muito barato, sem falar que aquele livro de Braga é dos que a gente não acha fácil.
Dois anos depois, a livraria fechou as portas e lembro-me da comoção que isso gerou naqueles que tiveram com aquele lugar uma relação amorosa. No meu caso, senti um pouco de arrependimento, por não a ter frequentado mais. Porque não vi, depois de ler tantas e tantas vezes, que na página de rosto de O sofá estampado estava um selo onde se lia: “Livraria Jinkings, Rua dos Tamoios, 1592”.

Imagem do blog raimundojinkings.blogspot.com.br: "A Livraria Jinkings, fundada por R. A. Jinkings, em 1965, considerada a livraria mais importante do Norte e Nordeste. Em 1994, Raimundo Jinkings foi eleito nacionalmente como Livreiro do Ano. Fecha as portas, em 2010, após 45 anos, reconhecida a sua importância pela intelectualidade paraense."

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