Reflexões de fim de Copa - nada poético

Neste momento, meu lado melancólico fala mais alto.
Memorial da América Latina: nossa melhor representação.
Tivemos um grande evento futebolístico? Sim, com toda certeza. Pela televisão, claro, pra esmagadora maioria dos brasileiros, inclusive dos que moram nas cidades sede. Até o polêmico Maradona elogiou o Brasil pela organização da Copa. Parabéns, Dilma, Alckmin, Paes e cambada, vocês mostraram ao mundo como se varre a sujeira pra debaixo do tapete sem perder a simpatia. Se aproveitaram da nossa paixão por futebol pra despejar violentamente e prender arbitrariamente – aliás, faltando menos de um mês pra Copa, Goiânia serviu de laboratório pro que está acontecendo hoje no Rio de Janeiro – e ainda com o aval de boa parte da população, preocupada apenas com a “imagem do Brasil lá fora”.
Agora, com o fim da Copa e o “sucesso da imagem do Brasil” pros estrangeiros – afora o vexame da seleção em campo, e ainda por dois jogos –,  muita gente vai torcer pelos alemães porque eles foram gente boa, porque amaram o Brasil, porque Podolski assiste novela, porque fizeram seu segundo uniforme especialmente em homenagem ao Flamengo, gigante clube brasileiro. Pelo jeito, é mesmo a imagem que fala mais alto por aqui. Os argentinos, por outro lado, não fizeram hotel, não fizeram uniforme (Pausa para a zoeira: mesmo porque, o deles já se parece bastante com o do tradicional Paysandu, de Belém do Pará), não saíram por aí elogiando o povo e o país a torto e a direito, e Messi permaneceu discreto como sempre foi. Tudo isso, é claro, ajudado pela falta de cobertura da mídia sobre los hermanos. Vieram, treinaram e jogaram, como se faz em todas as Copas, como, inclusive, os brasileiros e alemães também sempre fizeram.
Não estou questionando as reais intensões dos simpáticos germânicos, mesmo porque acredito que elas não são questionáveis. Fico, sim, me perguntando, por que tanto ódio dos argentinos se não a saudável rivalidade do futebol? A cada vez que se fala da simpatia dos alemães, subentende-se que os argentinos não o são. Todos aqueles que eu conheço que já foram à Argentina não relatam nenhum tipo de ódio generalizado a nós. Preconceito? Sim, existe e muito! De todos? Não. Popularmente, somos para eles os “macaquitos”. Mas, popularmente, dentro de nosso próprio país também o somos para boa parte da população, cujo racismo está institucionalizado por trás da falácia da “democracia racial”. Tão enraizado que foi, justamente, a população negra a mais atingida pela violência da Copa pelos despejos. Tão enraizada que não se via negros nas arquibancadas de classe média alta em nenhuma das cidades sede. Me parece, isso sim, que todo esse amor repentino pelos alemães apenas enterra ainda mais tudo o que somos de verdade, pra muito além da alegria, do ufanismo e do “jeitinho brasileiro”.

Minha torcida pela Argentina é pelo Messi, grande jogador, e pela tradição do seu futebol, que mesmo não tendo sido brilhante nessa Copa, conseguiu cumprir a sua tarefa e retribuir aos seus torcedores o carinho dado. Mas é também uma melancólica tentativa de selar a paz entre irmãos sem jogar para debaixo do tapete as mazelas daqui.

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