Faça um retorno
Dirijo pela cidade de cerca de
100 mil habitantes, mas que não parece ter mais de 50 mil. Cruzo avenidas em
busca de uma lotérica, vou ao banco, procuro um estacionamento, atravesso a
praça, lembro de coisas a comprar e aproveito a ida ao centro, penso em caminhos,
sei andar pela cidade. Mas ela não é minha. Não é estranho viver por anos em
uma cidade e sentir que ela não nos pertence?
Tenho uma amiga desta cidade que
já me disse que conheço mais caminhos que ela. Acho que não é verdade. Só o que
faço é andar por aí resolvendo pequenos problemas do dia-a-dia, fazendo tarefas
pontuais, e pra isso, de vez em quando, preciso achar novas rotas, conhecer
sempre um novo lugar. A cidade é pequena, ajuda bastante. Mas, ainda assim, não
é minha.
Suas esquinas não me trazem memória
afetiva, um ou outro acontecimento foi marcante nessas calçadas ao longo desses
anos. Quase nunca vivi esta cidade. Não cruzo com pessoas que poderiam ser
remotamente minhas parentes, alguém com quem poderia ter estudado há muitos
anos, alguma possível ex de meu amado. Achava que essa sensação de ser uma
anônima na cidade só era possível na grande cidade, em especial na nova grande
cidade onde não se cresceu. Na verdade, a equação fica mais certa na segunda
parte: a cidade onde não se cresceu, independentemente do tamanho. Se algum
senhor idoso conversa comigo na fila do banco e me pergunta de quem sou filha,
uma pergunta típica de interior, eu não tenho resposta. Neste lugar, meus pais
não existem e, tecnicamente, eu mesma também não. Eu não vivi esta cidade no
passado, e também não a vivo no presente.
Semana passada, estava na minha
cidade natal (Belém, se alguém ainda tem dúvidas, o que acho muito difícil),
dirigia por caminhos onde nunca tinha dirigido antes – até porque, só tirei
carteira anos depois de ter saído de lá -, mas por onde passei uma ou outra vez
de ônibus. Reconhecia velhas sensações, enquanto criava novas. Meu guia, um
conhecedor da cidade, me fazia sentir tranquila e segura, e ainda mais
apaixonada por tudo aquilo. Dirigia pensando nas lembranças e na possibilidade
do retorno, no desejo do retorno. Em cruzar com velhos conhecidos e com futuros
alunos, um parente remoto das famílias enormes, os pais dos futuros amigos dos
meus ainda impensáveis filhos.
Vejo pessoas que saíram de suas
cidades natais e se estabeleceram muito bem nos seus novos lugares, têm quase
que uma dupla naturalidade. Sinto uma ponta de inveja e não quero ser ingrata.
Tenho amigos aqui, vivi muitos bons momentos, tenho lembranças e aprendizados,
mas esta cidade não me inspira a eles, e por isso não me pertence. Minha cidade
está lá onde sempre esteve, naquele clichê da planície chuvosa e do calor
enorme, que eu sinto completamente minha, em todos os tempos.
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