Arbusto genealógico
O grande sonho de infância da minha
mãe era ter uma janela que fechasse no quarto. Já contei isso centenas de vezes
pros amigos mais próximos e nas rodas alcóolicas, quando fico mais pensa ao
lirismo.
Eu nunca conheci a casa de infância
da minha mãe – que ainda está de pé, só que modificada – mas ela está viva na
minha memória desde criança. Ela faz parte da minha vida.
Era uma casa de madeira de dois
andares, chão batido, giral, banheiro no quintal e sem uma das paredes. Minha
mãe diz que achava que o pai dela era doido, porque, em vez de fazer uma casa
toda fechada, usou a madeira pra fazer dois andares incompletos numa cidade em
que chove 360 dias por ano (acho que nos 5 dias em que não chove é esquecimento
de São Pedro). Quando chovia, era aquele corre-corre de desatar rede, mamãe
ficava furiosa porque sobrava tudo pra ela.
Embaixo da casa era a pequena
fábrica de vassoura de piaçava do meu avô, onde os filhos ajudavam trabalhando
e testando a matéria-prima no couro quando faziam alguma coisa que meu avô considerava
errado, como ir brincar na rua, por exemplo. “Vai ser tudo puta e ladrão”, é
uma das frases que minha mãe não esqueceu.
O bairro onde moravam, e onde pra
mim está toda a genealogia dos Leal, era a Guanabara. Bairro de gente pobre e
trabalheira, como dizem. Mas minha mãe e seus 7 irmãos são unânimes em dizer
que eles eram os mais pobres dos mais pobres. Não eram convidados nem pras
festinhas de aniversário, onde o mais esperado era a bolacha Maria com o Kisuco.
Eram os anos de 1960-70, mas a BR
que passa do ladinho ainda era uma estrada rústica – o tal “progresso” não
chegara. Uma diversão de uma das minhas tias era ver os mortos de acidente de
trânsito, quase diários, e ir filar um cafezinho em qualquer velório. Não
consigo passar por ali e não pensar nisso.
Cresci ouvindo essas e muitas
outras histórias da saga lealense e também dos Neves, que não tinham uma
condição muito diferente. Mesmo que não tenha passado por nenhum desses
perrengues, tendo sido criada “com tudo que minha mãe não teve” (dentro das
possibilidades de uma professora do estado e de um operário de fábrica), elas
estão ali me lembrando de onde vim. Não sei quem eram nem de onde vieram meus
tatataravós, a “grande origem” de nossos sobrenomes portugueses, nem o que mais
me interessa, que era saber a etnia de origem dos indígenas da minha família –
porque, na verdade, somos um bando de caboclos. Mas, isso não incomoda tanto. O
arbusto genealógico, que é só o que eu consigo reconstruir, está nessas
histórias.
Amei
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