Borboletagens
Admito,
tenho esse seríssimo problema de fugir dos assuntos sérios – na crônica. O Xico
Sá que me perdoe – e eu sei que se ele ouvisse meu chiado e meu “tu” ele me
perdoaria na hora - , mas é bem mais que de vez em quando. É verdade também que
eu queria escrever mais sobre assuntos sérios, mas queria escrever como ele,
que consegue tirar uma veia cômica da desgraça. Eu não consigo. E por isso não
escrevo quase, porque sai uma crônica desabafo, bem triste e desesperançosa, e
não é isso que as pessoas querem ler, nem eu. Então, eu escrevo sobre as coisas
boas e aí, maninho, tem que fugir um pouco mesmo – vai ver é por isso, também,
que tenho escrito tão pouco, além de não ter leitores que me cobrem, ter medo e
indisciplina nesse sentido. Enfim.
Alguns
meses atrás, pegando a estrada, percebi uma quantidade imensa de pequenas
borboletas amarelas atravessando sobre a pista e sendo brutalmente assassinadas
pelos automóveis em altíssima velocidade. Fiquei muito tempo pensando sobre
aquilo, fazendo filosofia barata sobre a vida. A imagem era linda, triste e
linda, e só consegui tirar conclusões tristes. Desisti da crônica. Talvez saia
um conto legal de como uma pessoa tentada aos devaneios pode causar um acidente
na estrada (não se preocupem, eu não estava dirigindo).
Mas
às vezes é preciso esperar, juntar novas pequenas histórias sem nexo para achar
o fio da meada.
E foi
aí que no mês passado, em Belém, minha terrinha querida que não tem só Calypso, que a conexão se
completou. Um dia, na praia, com a maré baixa, no fim da tarde, entrei no rio e
de lá vinha um bando de borboletas de vários tamanhos e cores voando em direção
à ilha, vindas de outras ilhas. Nunca tinha visto aquilo nem ouvido falar. Foi
lindo. O sol se punha, a água estava muito calma, tinha pouquíssima gente na
praia, que também ficou olhando admirada. Mas enquanto admirava, também fiquei
pensando no porquê daquele deslocamento (longo, com certeza). Só consegui
pensar no pouco tempo que vive uma borboleta (24 horas, segundo li) e que
talvez elas tivessem chegado ali para morrer, ou, sendo otimista, para iniciar
sua breve vida borboletando. Depois de um certo tempo, após as atrasadas terem
chegado, a maré começou seu lento movimento de cheia, as águas voltavam à vida,
o vento voltava. Eu, que não entendo quase nada dessas coisas, pensei “foi isso
que as borboletas vieram anunciar” e achei encantadora a minha hipótese, que
não comprovei nem quero comprovar. O que ela significa eu não sei, mas faz
parte dessas pequenas fugas cotidianas que compensam o peso da realidade,
inclusive das borboletas atropeladas em pleno voo.
E a
crônica fica assim, com esse gosto de não sei quê que vai não sei pra onde, só
pra provar que meu negócio mesmo é cronicar o incronicável.
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