Cidade fantasma

    Nunca tinha parado para reparar nesse vazio da grande cidade à noite. Um silêncio perigoso, medo de parar no sinal vermelho, medo daquela moto que vem chegando. Não é que não tivesse notado, é que faz parte daquelas coisas que já achamos normal.  Onde está o milhão de habitantes da cidade? Não é estranho que com tanta gente morando aqui as ruas tenham esse ar fantasma às oito da noite de sábado? A vida está presa nos carros e prédios com suas luzes, enquanto os postes iluminam o silêncio. 

     Quando eu ainda morava na cidade grande, passar nesse vazio era um alívio. Depois de uma semana inteira na agitação de gente, carro, buzina, tudo que você quer é essa cidade vazia. Ainda que seja por medo. Mas a gente finge que não, e cria uma visão poética: põe a nossa trilha sonora no carro e canta feliz como na cena de um filme – olhando bem os retrovisores e as esquinas estranhas; ou senta no ônibus vazio – depois de muito tempo que teve que esperar por ele – encosta a cabeça na janela com o fone de ouvido e reflete como num clipe de música – olhando pra todo mundo que entra no ônibus.  Era um alívio ilusório.

     Hoje, vivendo longe de todo movimento desnecessário, quando venho pra cidade grande tudo que eu quero é uma noite mais agitada. Mas só vejo as pessoas dentro dos shoppings, bares, casas de show. Fora é esse vazio de medo, do jeito que sempre foi e eu me esqueci. Não andamos na cidade. A cidade se esconde dentro de si mesma. 

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