Os germes


       Horário de almoço, sol quente batendo na cara, parada de ônibus lotada, fome, vontade de chegar em casa. Atenta à chegada do ônibus, que inevitavelmente virá lotado e inevitavelmente pegará ainda uns 10 passageiros nessa mesma parada. Estar atenta a isso acaba levando a não estar atenta à mulher que se aproxima e...
    Não, não era assalto. A mulher, que com uma mão entregava um papelzinho e com a outra segurava uma caixa de qualquer coisa que tentava vender, que eu mal vi se aproximar, que de repente me estendia um papel, e eu olhando o ônibus e pensando que só tinha mesmo o dinheiro da passagem, como era o normal, a mulher simplesmente enfiou o dedo na boca e passou na minha cara, no meu nariz e na minha boca, pra ser específica. Fiquei em choque – é o que sempre acontece comigo.
       Ela saiu, foi embora. As pessoas me olhavam, também chocadas. Uma senhora perguntou se eu estava bem, e aí me veio o choro na garganta. Porque de todas as violências que eu já passei na rua, essa foi especialmente chocante, porque eu não sabia o que significava. Além de, naturalmente, ter perdido o ônibus.
       Isso faz 15 anos. Não peguei nenhuma doença, e tenho quase certeza de que a mulher tinha algum problema mental. Mas eu sei que você que leu, se não é negacionista nem bolsogado, teve uma aflição enorme com essa cena se imaginou ela acontecendo hoje. Imagine que o que foi, naquele momento, uma violência bizarra, hoje poderia significar uma sentença de morte. Agora pense nos que estão por aí cuspindo na cara de profissionais da saúde, cuspindo no chão do ônibus porque se recusam a usar máscaras. Esses não dá pra perdoar. Se encontrassem com a mulher da parada de ônibus, duvido se essa covardia, que eles pensam que é “peito”, não virava rapidinho um cagaço.


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